Os eventos eclesiais que vivemos depois de dois Sínodos e da Exortação Apostólica ‘Amoris laetitia’ do Papa Francisco exigem centrar o nosso olhar educativo-pastoral sobre a família. Por isso, este é o tema da Estreia 2017.
Diante de realidades familiares em que não poucas vezes se vivem situações complexas e difíceis: famílias fragmentadas; famílias em que há feridas graves; famílias em que há egoísmos que criam fraturas; perguntemo-nos, então, se pela nossa realidade de educadoras, educadores e pastores, podemos fazer alguma coisa em favor dessas famílias.
É nesses contextos que nos é pedida empatia diante da dor causada por estas situações. São situações existenciais nas quais devemos ajudar a construir relações, curar feridas, auxiliar a abandonar temores… vendo, como no texto bíblico, que “não se quebrará o caniço rachado” (cf. Mt 12,20; cf. Is 42,3). Situações em que podemos ajudar a reconhecer que ainda há muita coisa boa e muita generosidade nessas vidas.
No aprendizado para ser família há sempre alguns erros que apelam para a humildade e a compreensão, o perdão e a misericórdia. Todos têm direito ao perdão e todos têm possibilidade de perdoar para construir a família e reconstruir-se. A aceitação da condição de limite oferece a cada membro da família a oportunidade de enriquecer-se do amor que lhe oferecem e de enriquecer os outros com a doação pessoal.
Na Escola de vida que é a família
Com visão salesiana não poderíamos falar do valor educativo e vital da família sem pedir, em primeiro lugar, que cada um se refira à experiência pessoal e, ao mesmo tempo, à experiência do fundador da nossa Família Salesiana, Dom Bosco. Ele perdeu o pai quando ainda era uma criança. Sua mãe, Margarida, foi a sua primeira decisiva e transcendental educadora, e sabemos bem que Dom Bosco foi o que foi porque teve a mãe que teve.
Essa é uma das chaves da proposta. Ajudar as famílias a tomarem consciência de que, antes de tudo, são escolas de vida, e que nessa missão pessoas, grupos e instituições procuramos estar ao lado delas e ajudá-las. Nunca, porém, suprindo o que não pode ser suprido: o calor do lar, que é cada família, e que prepara para a vida como autêntica escola, e que ensina com o amor a viver o amor.
Isso acontece quando a família é mais do que um ‘centro de consumo’, e sim um ‘ponto de referência afetiva’, na qual os adultos, especialmente os pais, assumem as próprias responsabilidades. Acontece quando se tem uma comunicação intrafamiliar intensa, não reduzida a negociações instrumentais. Quando se educa, mesmo exigindo e pedindo dos filhos responsabilidades éticas concretas, para a vida no cotidiano familiar, experimentando a igualdade radical de cada um em relação às necessidades, aos direitos e deveres, como também ao respeito recíproco. Quando há espaço de vida capaz de promover relações reais de diálogo, de reciprocidade plena que, na verdade, exige o bem do outro, com respeito à pessoa e aos seus processos.
A família também prepara para a vida quando é uma experiência de amor, e não o lugar onde se impõe o peso da lei. Nesse sentido, com uma visão crente (de fé) todo matrimônio e toda família são uma história de salvação. A família é escola de vida quando encerra em si valores aparentemente antagônicos, mas que existem em harmonia, como: liberdade e responsabilidade; autonomia e solidariedade; cuidado de si mesmo e busca do bem de todos; competitividade sadia e capacidade de perdão; disponibilidade para a comunicação e também para a escuta e o silêncio respeitoso.
Quando a família é, portanto, escola de vida porque oferece valores e também esperanças. Oferece proximidade e amor que orienta, corrige, previne, ajuda, cura e, enfim, salva.
A missão de acompanhar
Como Família Salesiana, propomos esse desafio, belo e mais do que nunca atual, de acompanhar as famílias. Isto requer algumas decisões da nossa pastoral:
Ter decididamente como prioridade educativo-pastoral a atenção às famílias.
Dar um passo decisivo, definitivo e firme para ter o acompanhamento como serviço prioritário:
Acompanhamento dos pais e dos cônjuges que o aceitem.
Acompanhamento real dos jovens nas presenças salesianas do mundo, especialmente diante de situações familiares e pessoais difíceis.
Acompanhamento vocacional dos jovens que manifestem concretamente o desejo de amadurecer o projeto pessoal de vida no matrimônio.
Acompanhamento que se traduz em proposta de espiritualidade e de fé como sentido da vida, nas mais diversas realidades da família.
Tomar ciência, como Família Salesiana, da urgência de participar do vasto caminho de reflexão e discernimento eclesial, com maior atenção à realidade familiar e à prioridade da misericórdia como valor essencial do Evangelho, deve refletir-se em nossa praxe educativa e pastoral. Por isso mesmo, devemos entrar num discernimento pessoal e pastoral que nos levará a não buscar nem esperar respostas unívocas diante de situações tão diversas que estão longe do ideal cristão.
Nesse modo de educar no qual a família não pode renunciar a ser lugar de apoio e acompanhamento (AL 260), acreditamos que podemos oferecer algo de nosso, muito ‘salesiano’: ajudar as famílias a criarem e educarem com o afeto e o coração, com tudo o que isso envolve em nosso sistema educativo (‘preventivo’).
Também deveríamos levar a sério a ajuda aos pais na educação sexual de seus filhos e filhas, o que, para nós, é uma autêntica educação ao amor. Ajudaremos a descobrir o matrimônio sacramental como ‘vocação’, fruto de discernimento (como em qualquer vocação) e também caminho de santidade. Contribuiremos, o quanto possível, para cuidar e aumentar nas famílias o sentido da alegria do amor.
Por Don Ángel Fernández Artime, Reitor-Mor